Na época em que trabalhava na área organizacional e fazia muitas entrevistas para empregos ou estágio era praxe a pergunta: "Qual característica sua, você acha que precisa melhorar?" Nunca fiz nenhuma estatística, mas a impressão era que cerca de 90% respondiam: "A ansiedade. Sou uma pessoa ansiosa. Quero que as coisas aconteçam o mais rápido possível. Não gosto de esperar" Isso por si só não eliminava, nem aprovava os candidatos, dependeria muito do perfil solicitado para a vaga. Mas me perguntava: "Será uma 'epidemia' de ansiedade?"
Ano passado li o livro Modernidade
Líquida de Zygmunt Bauman e algumas citações me levaram a reflexão sobre o nosso contexto social contemporâneo:
“... não se pode errar, também não pode saber se se está certo." (p. 75) "Os objetivos podem ser estabelecidos apenas para a presente etapa do esforço sem fim – e a satisfação de alcançar um objetivo é apenas momentânea. (…) não há tempo para descanso, e toda celebração de
sucessos momentâneos não passa de um intervalo antes de outra rodada de trabalho duro (…) A busca da aptidão é um estado permanente de auto-exame minucioso, auto-recriminação e auto-depreciação permanentes, e assim também de ansiedade contínua." ( p. 92,93)
“convive-se com a falta de garantias (de posição, títulos e sobrevivência), a incerteza (em relação à sua continuação e estabilidade futura) e a insegurança (do corpo, do eu e de suas extensões: posses, vizinhança, comunidade)” (p. 184).
Não pretendo fazer nenhuma análise social ou antropológica, mas sim, como mãe, pensar em como esta realidade pode afetar a minha filha e como psicóloga infantil como as crianças estão sendo educadas dentro deste contexto.
A ansiedade das mães quanto ao futuro dos filhos, uma ânsia em oferecer "tudo do bom e do melhor" muitas vezes não é sentida, ou percebida nem por elas mesmas, nem pelo contexto social, já que é "normal" preparar o filho para que consiga as melhores oportunidades e o quanto antes, que ele seja o "mais" competente, o "melhor" funcionário, o "primeiro" a ser promovido. Teoricamente isto lhe garantiria alguma segurança com relação ao futuro. (Teoricamente!)
Quando presencio uma reunião de mães, que não são amigas e sim apenas conhecidas, as vezes me sinto num concurso de "A Melhor Mãe da Face da Terra!" cujos critérios são o desempenho cognitivo, motor, emocional, social e etc das crianças. "Meu filho andou com 8 meses", "O meu tem 3 anos e já sabe escrever o nome", "A minha filha, é praticamente a chefe das crianças do prédio e só tem 6 anos". Até aí tudo bem, pois estando várias pessoas que tenha um único ponto em comum se falar só sobre este assunto. A "competição" que percebo é quanto aos olhares de reprovação àquela mãe que diz que não se importa do filho de 4 anos beber refrigerante, caso a maioria deles seja adepta da alimentação super-saudável, ou o olhar de "afff que exagero" àquela que diz que o filho tem 5 anos e nunca comeu nada industrializado, caso o grupo seja das adeptas das comidinhas de prateleira de supermercado.
Essa cultura do "mais", do "melhor", do "primeiro" me preocupa sobre o quanto e como as crianças estão sendo afetadas por esse modelo de sociedade doentia, pois não é à toa que patologias como Síndrome do Pânico, Compulsão Alimentar (ou de álcool, ou de jogo, ou de compras, ou de qualquer coisa que traga sensação de prazer imediato), Transtorno Obsessivo Compulsivo, Fobias das mais diversas inclusive a Fobia Social, dentre outras mais têm sido cada vez mais diagnosticadas.
A palavra de ordem é "estimular". Mães procuram toda forma de estimular suas crianças desde os primeiros meses de vida, a mídia se favorece dessa palavra para vender jogos e brinquedos, colégios prometem além do ensino básico, os mais diversos tipos de estímulos. Não que estimular seja errado, mas, como tudo na vida, se a dose é excessiva, também se tornará prejudicial.
É lindo um bebê de 8 meses que já anda, dá orgulho ver o filho de 3 anos escrevendo o nome. Mas devemos analisar quais aspectos estão sendo estimulados, se essa corrida contra o tempo e contra os "concorrentes" não está "adultizando" cedo demais. E se a menina resolver ser a primeira dentre as amigas a beijar na boca com 10 anos, ou se o menino aparecer com alguma bebida alcoólica aos 13 anos? Se eles sempre fizeram todas as coisas mais cedo que os colegas, por que não começar logo a adolescência (com todos os seus riscos, dramas e preocupações)? Isso sem falar de como a criança se sente com relação a tantas cobranças de desempenho.
Então mãezinhas, cuidado com a dose... seja do remédio, seja do elogio, seja da disciplina... Só amor demais é que não faz mal, mas a forma como este amor é demonstrado, também deve ser moderado. Ninguém gosta de se sentir sufocado, nem mesmo as crianças.
Equilíbrio é a palavra de ordem.
Cristine Cabral
P.S. Se quiser ler mais sobre Ansiedade Infantil indico http://www.pediatriaemfoco.com.br/posts.php?cod=279&cat=8