terça-feira, 2 de abril de 2013

O fantasma dos pais biológicos

Mais um sobre adoção, complementando os meus dois últimos posts: "Filho do Coração" e "Contar ou não contar?"

Uma das questões mais delicadas quando o assunto é adoção é essa relação (ou ausência dela) com os pais biológicos. Muitos pais de crianças adotadas têm medo de qualquer aproximação, ou mesmo ciúmes. Realmente é uma situação imprevisível, pois cada caso é um caso. Se lidar com as emoções de uma pessoa é complicada, imagine lidar com as emoções de, no mínimo, três pessoas (mãe adotiva, mãe biológica e criança).

Mas como mãe e como psicóloga penso primeiro na criança, por ser a pessoa mais indefesa, a com menos capacidade cognitiva (pelo menos teoricamente) e emocional para lidar com uma situação delicada. 

Se os sentimentos, desejos e pensamentos dos filhos devem ser ponto de partida para análise de diversas situações, neste caso isto também se aplica.

Os sentimentos de uma criança adotada com relação aos pais biológicos podem ser das mais diversas, dependendo de como recebeu a notícia, de quem contou, de sua própria história. Pode ser que sinta:

- Raiva, ressentimento, mágoa, por ter sido abandonado.
- Agradecimento, por reconhecer que não pertencer àquela família (sendo por vontade da própria mãe ou da justiça) seria a melhor coisa para ele mesmo. Reconhecer que um lar adotivo harmonioso é melhor que qualquer lar biológico disfuncional.
- Indiferença, são pessoas estranhas como tantas outras no mundo. Apenas doadores genéticos.
- Curiosidade, do tipo: Quem são? Que fazem? Será que tenho irmãos?

Descobrir como uma criança se sente só é possível com muita aproximação, conversas sinceras, disposição por parte do adulto de perceber e aceitar o que é sentido. Para então dar sentido a tudo e planejar o que e como deve ser feito. 

Um "erro" comum a muitos pais é imaginar e conceber o que é melhor para seu filho, sem consultá-lo. Tudo bem quando a criança ainda é muito pequena e não tem conhecimento do mundo real, mas a partir do momento que a criança já entende o que significa ser adotado, deve receber uma atenção especial quanto a este assunto. 

E como vou saber se já tem condições de perceber o mundo real? Pelas perguntas. A partir das perguntas que todas as crianças fazem é que as verdades surgir.

Um dia a minha filha me perguntou: "Mamãe, por que eu sou sua filha?" Logo veio a resposta mais óbvia: "por que você saiu da minha barriga." Mas como não gosto de responder sem pensar, principalmente para ela, respondi que ela era minha filha por que a amo muito e por isso que é meu dever cuidar dela. Respondi isso, por que considero muito a possibilidade de um dia vir a adotar e queria dar a ela uma resposta que pudesse servir também para um possível irmão ou irmã. Em outras palavras, comecei a gestar um filho que pode ou não "nascer", mas se vier, meu mundo e o da "irmã" dele já está começando a ser preparado para isso. Se não considerasse a possibilidade, a resposta óbvia seria satisfatória, pois não haveria diferenças entre irmãos.

Alguém deve estar pensando, que exagero. Ela nem vai lembrar que um dia perguntou isso... 

Não. Realmente não vai. Mas a forma como ela se sentiu e o que ela pensou na hora são um alicerce para qualquer coisa que venha posteriormente e que diga respeito a este assunto (nascimento, irmãos, adoção, etc) O alicerce ninguém vê, mas é ele que dá sustentação.

Agora um detalhe importante: crianças só fazem perguntas difíceis a quem está disponível para elas. Quem tem tempo para elas. E se perceber segurança, sentir que não vai ser punido, ou punidor. Pois se ela perceber que toda vez que ela toca no assunto os adultos ficam desconfortáveis, tristes, ou com raiva provavelmente irá se fechar e tentar "resolver" tudo sozinha.

Por isso deixo a dica: se você for mãe adotiva e não sabe como lidar com esse assunto, primeiro procure ajuda para você mesma. Só depois que todos os seus conflitos pessoais estiverem resolvidos é que poderá ajudar seu filho a lidar com o assunto. 

Um filho adotivo não "pertence" à mãe biológica, nem à adotiva. Assim como qualquer criança ele pertence a ele mesmo.

"Nossos filhos não são nossos. Eles são filhos da vida ansiando pela vida." F. Nietzsche

Cristine Cabral

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